A ideia para este quarto volume da coleção Pensamento Feminista surge, nas palavras da organizadora Heloisa Buarque de Holanda, durante a pesquisa realizada para o livro Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Naquele momento, se tornava claro que a trajetória das experiências, desejos, classificações e conceitualizações sobre o corpo, e mais especificamente sobre a sexualidade, marcavam (ou permitiam) os saltos epistemológicos da história dos estudos de gênero.
Na década de 1990, Teresa de Lauretis transforma o termo queer (em inglês, com carga fortemente depreciativa e vulgar) em conceito, e utiliza o termo “teoria queer” para um seminário onde seria discutida a situação dos estudos gays e lésbicos, naquela ocasião, em crise nas universidades norte-americanas. Com a intenção de pautar e colocar em debate formas de dissidências sexuais em cruzamento com outros marcadores culturais, sexuais e raciais, subverteu-se o conservadorismo das teorias sobre sexualidades gay em curso. Essa proposta, potencialmente transformadora, termina, infelizmente, diluindo-se nas práticas teóricas dos Estados Unidos e da Europa.
Ao mesmo tempo, o exame mais cuidadoso dos feminismos no sul global demonstra que as teorias queer na América Latina não eram tão novidade como no feminismo dito central. Assim, o tema deste livro é justamente estas estratégias, reações e modulações do que chegou até nós como um avanço teórico – o conceito queer –, e de como ele se materializou local e globalmente, produzindo políticas sexuais inovadoras, contestadores e plurais.
As duas primeiras partes do livro reúnem o debate sobre a falta de adequação ou sobre a necessidade de localizar a noção de queer, vista como muito higienizada nas formulações dos estudos de gênero europeus e norte-americanos. Nelas, há textos de autoras como a peruana Norma Mogrovejo, a italiana radicada no México Francesca Gargallo, a sul-africana Bernedette Muthien, a norte-americana Marcia Ochoa, e os pioneiros do pensamento queer no Brasil Richard Miskolci e Guacira Lopes Louro.
Na terceira seção os estudos e artigos lidam com o conceito de forma mais “aclimatada”, já num patamar teórico em que não faz mais sentido a discussão sobre a desconstrução do binarismo nos sistemas sexo/gênero. São estudos que partem do pressuposto de que não é o sexo identificado biologicamente que determina o tornar-se gênero através da performatividade. Ao contrário, é o gênero performado que determina o tornar-se sexo, como mostram os textos, em abordagens bem distintas, de Larissa Pelúcio, Leandro Colling, Sam Bourcier, Jack Halberstam, Camila Bastos Bacelar, Paul B. Preciado.
Impressiona nesse conjunto de textos aqui reunidos a virada experimental corporal e sexual conduzida progressivamente pelos estudos e expressões artísticas e ativistas lésbicos/queer no nosso sul global.
Avaliações
Não há avaliações ainda.